sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

Divórcio

Não posso manter isso por sequer um segundo. Agora é tarde demais. 

Já é tarde há muito tempo.

Eu só queria dizer que acho que tu nunca entendeste os sacrifícios que eu fiz para manter esse equilíbrio entre ti e o restante da minha vida. Hoje eu preciso recuperar minha vida de volta, eu quero minha vida de volta! Se tu tivesses agido diferente, eu ficaria, tu bem sabes do quanto me esforcei para te oferecer tudo aquilo que eu tinha de melhor. Tantos foram os lugares que te levei para te alegrar por uma noite, diferentes caminhos eu busquei para tentar te ver feliz por algum momento, mas nada do que eu fiz te envolvia. Meu efeito era efêmero na tua euforia, independente do que eu fizesse, independente se eu mudasse; e eu continuava teu refém, preso em uma síndrome de Estocolmo, tentando satisfazer tua tirania. Eu percebi, sim, logo depois, que estava nessa situação de abuso. Mas tu chegaste em um instante tão oportuno, eu estava tão triste, desajeitado e indomável, que parecia ser inexplicável a forma com a qual tu ajudavas-me a pensar sobre minha vida, meus relacionamentos antigos, meu trabalho, minha carreira e como que, supostamente, tu sempre me encorajavas a tornar minha revolta um combustível para uma mudança implacável que eu necessitava depois daquela queda turbulenta. Meu emocional mal suspirava e te sentia como um sopro de oxigênio. Imensa minha tolice. Cada vez que eu despia minha alma aos teus cuidados, roubavas de mim um pouco de meu espírito, de maneira tão sútil. Eu achei graça na primeira vez que vi tua fúria se voltar a mim, de fato, não estava querendo acreditar que eu pudesse ser culpado por uma atitude tomada por ti. Contudo, tão bem me conheceste que rapidamente entendeste meu psicológico, conseguias apontar todos os erros para minha direção e eu, ciente dos lapsos morais que me atormentavam, não sentia-me digno de negar a culpa e, por isso, tomava-a como um fardo a mais para carregar.

Assim, aos poucos, comecei a me convencer que todos os meus e teus problemas eram causados pela minha sensibilidade à flor da pele, que eu não conseguia bons frutos no trabalho, na faculdade e sequer uma noite em paz contigo pois eu ainda estava com minha cabeça imersa em tristezas do meu antigo relacionamento. Isso é tão absurdo, me flagelei tanto por te fazer sofrer que admirava como tinhas paciência para me recitar lições de moral toda a noite, quase que me ensinando a viver o dia seguinte da maneira correta. Sinto um sabor acre na boca tamanha a ojeriza que me causa somente lembrar que utilizaste um motivo tão obsceno para me manter aprisionado a tua vigilância. Minha rebeldia inicial que tu apoiaste tão veementemente já não aparecia mais em tua fala, parecia nesse momento que o melhor era ficar em repouso, te ouvindo e buscando aprender com teu professorado sublime. Não! Isso estava me fazendo mal. Tu ressuscitaste meu coração que estava praticamente morrendo para enterrá-lo vivo, soterraste-o debaixo da sujeira, sem condições de ver nada além de uma escuridão, iluminada por ti. E todo passo que eu dava, causava-me a impressão de ser em direção às trevas. Tive fobia da minha independência, por tua culpa, sentia que eu não conseguiria mais dar um passo sem estar submetido ao teu controle.

Obviamente tu recordas, eu nem arrumava mais o meu cabelo ou minha barba para ir ao trabalho, sentia a porra de um desgosto horrível ao me ver no espelho. Nunca recebi um elogio da tua boca, a não ser algumas risadas humilhante quando decidia usar aquelas calças de moletom de merda que eram as únicas coisas que restavam no meu guarda-roupa. Tu nunca disse que gostava de mim. Eu comecei a não gostar de mim também. Mas ainda tentava te dar nada mesmo do que a perfeição, vivendo em função de ti, apressando-me a todo instante para lidar com teus caprichos. Às vezes eu queria tanto te agradar que conseguia livrar-me de meu marasmo e planejava tantas coisas especiais para ti (jantares, cinema, bar, café, presentes), mas nada nunca te agradava, eu nunca parecia bom o bastante, sempre o dia errado, o presente errado, a ocasião errada; tinha que me desdobrar em dois para arrancar de ti algo além de ironia. Eu precisava ser algo além de mim mesmo. Nunca consegui. Estava quebrado por causa de tudo isso. Eu não te dedicava tempo suficiente? Tuas dúvidas quanto eu ser leal a ti? Eu só vivia em tua função, do trabalho e da faculdade para ti, sem tempo para realizar qualquer uma das minhas tarefas, aligeirando-me em qualquer atividade para voltar depressa para ti; e deste um jeito de fazer com que todas as garotas se afastassem de mim, como se eu não merecesse nada além de ti. Eu precisava definhar, não poderia receber outra perspectiva de vida além da prisão que tu me encarceravas. 

Teus términos comigo foram incontáveis. Eram só uma maneira de mostrar o quanto eu era dependente de ti. De uma maneira ou de outra, avisavas-me sempre onde tu irias com as outras pessoas, enquanto eu ficava solitário em minha cama, pensando que eu poderia morrer em vez de te perder. As paranoias que incutiu na minha cabeça, a noção de que eu não poderia ser nada sem tua presença, enquanto tu poderias ter tudo, mas escolhias ficar comigo. Quando que no menor sinal de recuperação que eu apresentava, tu voltavas para me colocar no lugar que criaste para mim. Incompreensível eu ter caído tantas vezes em teus truques, tu me mastigavas e me cuspias, deixavas-me no chão, pisavas-me. Quando eu me recompunha, tu aparecias, e eu me acolhia em ti, como um filhote se aconchega na mãe, para reviver o mesmo processo tóxico. Qualquer droga, qualquer cigarro, qualquer bebida, não chega perto do que tu representavas para mim: era o limite do vício, o mais danoso e o mais necessário.

Minha capacidade para raciocinar em benefício próprio já estava praticamente acabada, mas em um desses momentos que me abandonaste, consegui me restabelecer minimamente e refletir: "Caralho, por que ainda estou contigo? Eu mereço respeito!". Após eu recobrar um pouco da minha sanidade, conseguia entender quando meus amigos me perguntavam de como eu nunca consegui me livrar de ti. Eu sei a razão, eu estava viciado no drama, no estresse, na dor. Não sabia mais viver sem isso. Eu estava amaldiçoado. Mas ontem eu me abençoei. Resolvi levar minha decisão para ti, sem voltar atrás. Engraçado, primeiro tu riste, achando que era uma espécie de chacota minha para que tu voltasses para mim; depois, percebeste que eu estava te superando e pela primeira vez disseste que eu era especial. AH, EU ERA ESPECIAL? Nunca me senti especial contigo, somente um inútil, amordaçado aos teus pés e perdendo a dignidade junto a minha família, meus amigos, meu trabalho e a faculdade graças a ti; por último, maldosa e vingativa, como de costume, disseste que seria fácil encontrar outra pessoa melhor e mais importante que eu. Sofri um nó na garganta ao saber que mais alguém poderia passar pelo sufoco de ter a mente bagunçada pelas tuas artimanhas. Porém, não quero pensar que existirá alguém tão vulnerável para aguentar sofrer o mesmo que eu sofri.

Quando eu estava indo embora, gritaste que tu sentirias minha falta. Falaste-me para repensar e ver se eu realmente queria tomar aquela atitude. Não, não preciso repensar! Dessa vez eu não mudarei de ideia. Perdi muito da minha vida nas tuas mãos. Eu estou abandonando essa prisão. 

Cumpri, injustamente, minha pena. Agora é tarde demais.

Já é tarde há muito tempo. Foram quatro anos.

Quero me libertar.

Adeus!