sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Queda, remorso, perdão e resistência

Senti medo de voltar a escrever aqui. Passei por um bloqueio muito forte e uma certa covardia em liberar meus sentimentos, em digitá-los, escrevê-los ou manifestá-los deliberadamente. Escondi-me em meus mistérios. Escrevi inúmeros contos solitários. Fui meu escritor, meu público e meu crítico. Fui meu exílio, minha solidão e meu aconchego. Há na introspectividade um charme evidente. Decerto, animo-me em ter dedicado tempo para compreender minha essência, entender meus desalentos e cortejar minha rebeldia. No entanto, confesso, estava acovardado. 

Senti uma pancada muito forte - em 2013. Na faculdade, notas máximas; nos relacionamentos, de amizade a paixão, nunca tive problemas, sempre havia ombros, lábios, volúpia. Tudo ocorria bem. Mas, não, não adiantava. Eu sempre fui o tipo de pessoa que percebia o céu desabando. Nunca soube bem o motivo. A sério, gosto da melancolia, descobri com o passar dos tempos. Culpo a literatura por isso; Shakespeare, Wilde, Keats, Byron... não sei se vos agradeço ou vos maldigo - de fato, nem sei se é vossa culpa. Afinal, aconteceu. Em 2013, meio do ano, acredito. Desequilibrei-me agudamente. 

Não transpareci. Tive medo, apenas. Medo de esquecer quem eu era e quem eu deveria ser. Sentia-me cansado, todos os dias. Pedia perdão a Deus, docemente, às noites. O tempo parecia estar passando muito rápido e as coisas já não faziam mais tanto sentido quanto faziam. Meu refúgio foi a liquidez, mergulhei-me na efemeridade. Na internet, nos relacionamentos, na universidade. Apesar disso, ainda havia culpa e consciência. Eu as sentia. Tornei-me um hedonista que se auto martirizava. Um absurdo. Uma confusão. Para mim e para os outros.

Lembro de repousar a cabeça sobre o travesseiro e, ao sentir tocar as lágrimas avinagradas do pranto em meus lábios, dizer em voz baixa, às paredes do quarto:

- Quero ir para casa. Para o lar dos meus pais. Eu quero ir pra casa! Sinto a falta deles!

Lembro de sentir um fúria estremecer meu corpo após eu ter dito isso. De uma respiração ofegante, asmática, ter me perturbado por alguns minutos. Lembro de ter me acalmado depois. De ter puxado o cobertor e descansado. De ter esperado, sem contestar, o dia seguinte chegar.

Vivi muitas paixões nesse tempo. Doce subterfúgio! Acordei com sorrisos tão apaixonados que quase rompiam com esse medo que se empoderava de mim. Apaixonei-me tanto, mesmo sabendo de um destino quase traçado. Quis viver a tragédia. Socos na parede; poesias desesperadas; fugas românticas; deleites ardentes; lágrimas, lágrimas, lágrimas. De exímio galanteador - incontáveis relacionamentos ao léu - a notável desacompanhado - desamparo onipresente. Provoquei dores terríveis e, sobretudo, senti-as violentamente. Minha desordem se ocultava em um invólucro de serenidade. Entre fugazes euforias e dramáticos desfechos, esse peso romântico ampliava a sensação de desencanto que já sentia. 

Em um dia qualquer, uma garota que eu adorava, compreendeu minha situação, assimilou minha covardia. Diagnosticou-me. Reconheceu o meu estado, ofereceu ajuda, carinho e proteção. Ela quis me dar zelo, apesar de todo meu desarranjo emocional. Não pude aceitar. Fugi! Refugiei-me em minha cama, outra vez a conversar com as paredes. Eu só queria gritar, gritar muito alto, surtar esbravejando tudo que viesse a mente. Contive-me. Restou-me o silêncio e o embaraço. Transbordou-se, em mim, uma atmosfera entristecida.

Esses episódios se misturam a outros. Tantas foram as debilidades que permearam esse período. Tive problemas com a faculdade, com os amigos, com a rotina, com tudo. Entretanto, o maior problema estava em mim mesmo. Questão interna. No externo, normalidade, notas seguiam boas, os relacionamentos fluíam, a vida seguia. Porém, eu estava em decadência. Precisava de máscaras cotidianamente, desdobrava-me para continuar suportando o dia. A noite, porém, clamava angustiado por uma transgressão.

Desde de 2013, havia um pequeno pedaço de mim conclamando a mudança. Uma resistência que proclamava a revolta. Era um protesto insignificante, porém. Quase me entreguei a vida que não queria ter. Quem sabe um dia acostumaria, pensei. Mas preferi o confronto. Não me parecia justo aceitar que minha vida não fosse regida por meus princípios, minhas vontades, minha consciência. Não me convinha mudá-los apenas para adequá-los a uma vida que eu não desejava.

Estou, agora, em uma noite de 2015. Faz dois anos que eu caí. Faz dois anos que estou tentando levantar. Faz dois anos que iniciei um processo de profundo autorreconhecimento. Faz dois anos que sigo como um pícaro, aventurando-me, obstinado a me encontrar. Faz dois anos que estou perseverando insurgente.

Não há sentido neste desabafo. Senão minha necessidade de vociferar minha mudança. Sei que estou passando por mudanças! É, eu estou passando mudanças! Nos últimos dias eu apreciei uma mudança! Nesta semana eu acordei tão diferente... pois consegui mudar.

Sorrio, enquanto escrevo essas últimas linhas, pois suportei meus temores e lutei. 

Sorrio, enquanto termino este texto, pois ele é um sinal de revolução. 

Sorrio, somente sorrio... pois sei quantos conflitos enfrentei para estar agora sorrindo.

"Vincere cor proprium plus est quem vincere mundum."